Paguei setenta e dois reais e alguns centavos pela mercadoria, cujo par estava largado numa banca de madeira rústica onde se colocam produtos de terceira. Até fui honesto e perguntei à vendedora: “Este par de Adidas é desta banca mesmo?” Já que ela consentiu, me apoderei. Em outra banca achei um botinão por vinte e sete reais e tantos centavos. Ah, sempre os centavos atrás dos reais, na prática de uma psicologia de vendas besta. Que me desculpem os profissionais de psicologia por fazer tal relação, mas é a realidade.
Na mesma banca onde achei o par de Adidas um outro tênis, de marca desconhecida mas no olhômetro muito bem produzido: solado de borracha firme, couro sintético resistente e acabamento respeitável. Os três pares somaram cento e vinte e sete reais e centavos afins. Com detalhes: o tênis que não era o Adidas veio só com um cadarço; um pé do botinão saiu da loja diferente do outro. Só percebi isso quando cheguei em casa.
Fui trocar e a moça foi ríspida: “Produto da promoção a gente não troca”. Retruquei no mesmo tom, na frente de um monte de consumidores: “Mesmo quando você me embrulha um botinão esquerdo diferente do botinão direito?” Ela deu um sorriso meio de consentimento, outro meio de raiva, mas foi procurar o par certo.
E o que isso tem a ver com jornalismo? Confiro na capa do JL desta terça-feira a capa com manchete seca sobre a multa do Procon na Copel. Abaixo, a foto e o título da segunda chamada: “Londrina Liquida mostra consumo aquecido”.
Vou à página 8 e leio uma matéria de versões. As fontes são a entidade comercial, comeciantes e, de sobra, um professor de economia e finanças. Não há um olhar de repórter ao momento em que a liquidação ocorreu. Não há, senão entrevistas, pelo menos a impressão de consumidores. Parece que a matéria torce pela campanha. Que a campanha tenha dado certo e que nós, mídia, possamos mostrar à sociedade que tudo vai bem por aqui.
Eu gastei, sim, na campanha da Acil. Mas queria aquele par de botas que na mais valia eu pagaria noventa e estava na vitrina por duzentos e tantos e centavos a mais.
E como eu muitos londrinenses aproveitaram as bancas: sapatos sem cadarços, calças com uma costura solta ou sem botões, geladeira com um risco na lateral. Esse consentimento do consumidor, de adquirir uma mercadoria com pequeno defeito, mas a um preço mais em conta, é prática usual. Em campanha banca de promoção é algo estranho. E a mídia assumiu tal campanha sem qualquer questionamento.
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